sexta-feira, 8 de outubro de 2010

COMO EXPLICAR O ARREBATAMENTO DE ELIAS?

Atendendo a uma dúvida que na hora eu não pude responder...
“(...) eis que de repente um carro de fogo com cavalos de fogo os separou [Elias e Eliseu] um do outro, e Elias subiu ao céu num turbilhão
(II Reis 2, 11).

Uma das grandes perguntas que me fizeram foi “para onde tinha ido o corpo de Elias”. Confesso que não sabia. Apenas passei o que sempre ouvi: “Elias é um dos poucos que subiu com corpo ao céu, sem morrer”.
Mas aí ficam as dúvidas: como isso ocorre? O que ele respira? Onde exatamente ele está?
                         
Fui atrás e me surpreendi com as respostas que encontrei[1]. Neste texto falarei sobre Elias, mas a conclusão final serve para Henoque[2], o qual também se diz que não morreu.
O texto de II Reis 2, 1ss sugere que Elias tenha sido arrebatado vivo aos céus.
Eis o que se passou no dia em que o Senhor arrebatou Elias ao céu num turbilhão: Elias e Eliseu partiram de Gálgala, e Elias disse a Eliseu: Fica aqui, porque o Senhor me mandou a Betel. Por Deus e por tua vida, respondeu Eliseu, não te deixarei. E desceram a Betel. Os filhos dos profetas, que estavam em Betel, saíram ao encontro de Eliseu e disseram-lhe: Sabes que o Senhor vai tirar hoje o teu amo de sobre a tua cabeça? Sim, eu o sei: calai-vos! Elias disse-lhe: Fica aqui, Eliseu, porque o Senhor manda-me a Jericó. Por Deus e por tua vida, respondeu ele, não te deixarei. E chegaram a Jericó. Os filhos dos profetas que estavam em Jericó foram ter com Eliseu e disseram-lhe: Sabes que o Senhor vai tirar hoje o teu amo de sobre a tua cabeça? Sim, eu o sei. Calai-vos. Elias disse-lhe: Fica aqui, porque o Senhor manda-me ao Jordão. Por Deus e pela tua vida, respondeu Eliseu, não te deixarei. E partiram juntos. Seguiram-nos cinqüenta filhos de profetas os quais pararam ao longe, diante deles, enquanto Elias e Eliseu se detinham à beira do Jordão. Elias tomou o seu manto, dobrou-o e feriu com ele as águas, que se separaram para as duas bandas, de modo que atravessaram ambos a pé enxuto. Tendo passado, Elias disse a Eliseu: Pede-me algo antes que eu seja arrebatado de ti: que posso eu fazer por ti? Eliseu respondeu: Seja-me concedida uma porção dobrada do teu espírito. Pedes uma coisa difícil, replicou Elias. Entretanto, se me vires quando eu for arrebatado de ti, isso te será dado: mas se não me vires, não te será dado. Continuando o seu caminho, entretidos a conversar, eis que de repente um carro de fogo com cavalos de fogo os separou um do outro, e Elias subiu ao céu num turbilhão. Vendo isso, Eliseu exclamou: Meu pai, meu pai! Carro e cavalaria de Israel! E não o viu mais. Tomando então as suas vestes, rasgou-as em duas partes.  Apanhou o manto que Elias deixara cair, e voltando até o Jordão, parou à beira do rio” (II Rs 2, 1-13).

PRIMEIRO PONTO: OS PEDIDOS.
I - Devemos ter em conta que, antes do relato do arrebatamento, Elias pede para morrer:
“(...) e [Elias] andou pelo deserto um dia de caminho. Sentou-se debaixo de um junípero e desejou a morte: Basta, Senhor, disse ele; tirai-me a vida, porque não sou melhor do que meus pais” (I Rs 19, 4).
O verbo lqh = tomar, levar para si, arrebatar. Este fora o pedido de Elias. Não simplesmente pedir para morrer, mas sim pedir para ser levado por/para Deus. Daí a utilização do verbo hebraico “laqah” que designa uma intervenção divina.
Vemos o emprego deste verbo indicando uma libertação no salmo que diz “Do alto estendeu a sua mão e me pegou, e retirou-me das águas profundas” (Sl 17[18], 17). Também podemos vê-lo anunciando uma salvação final e misteriosa no Salmo 48[49], 16 e 72[73], 24[3].
Nesta ocasião Deus não lhe atende, tendo atendido depois.
Novamente atentamos a utilização do verbo “laqah”, que domina a narrativa de II Rs 3-13. Ele designa uma intervenção divina na morte do justo em trechos de vários salmos, mas, aponto de forma especial, o ocorrido com Henoque em Gn 5, 24, e Is 53, 8, em clara referência ao que aconteceria com o messias[4].
II – também é importante perceber o pedido de Eliseu para Elias:
“[Eliseu pede:] Seja-me concedida uma porção dobrada do teu espírito. Pedes uma coisa difícil, replicou Elias. Entretanto, se me vires quando eu for arrebatado de ti, isso te será dado: mas se não me vires, não te será dado (II Rs 2, 9-10).”
Estes termos – pedido e condição – geram um quadro de visão condicionada.
Temos então, juntando o pedido de Elias e o Pedido de Eliseu um indício da morte de Elias e como Eliseu teria visto esta morte do seu mestre, como em uma visão.
Este êxtase profético de Eliseu seria semelhante ao ocorrido com outros homens de Deus, como Miquéias quando viu os céus abertos (cf. I Rs 22, 19-22),... o discípulo de Eliseu, quando percebeu as  montanhas cobertas de cavalos e carros de fogo (cf. II Rs 6,17), .... Isaías, ao contemplar o trono de Deus (cf. Is 6,1-13), ou ainda Amos (cf. Am 9,1).
SEGUNDO PONTO: A TEOFANIA.
O carro de fogo, o vento e outros elementos são representações poéticas da teofania. O fogo é elemento da divindade, como Moisés o descobriu no Horeb, na sarça ardente e inacessível (Ex 3, 2-6; 24, 17; Jz 13, 20). De carros e cavalos nos falam entre outros o Sl 17[18], 11 e 103[104], 3. O vento forte também indica a presença de Deus(Is 30, 27; Ez 1, 4ss).
Teofania são as manifestações de Deus. para todos os povos. Estas manifestações, no Antigo Testamento, ocorrem em fatos da natureza (fogo, fumaça, etc.).
Podemos presumir então que este carro de fogo significa a força divina que atrai Elias.
Estes pontos juntos indicam, provavelmente uma “conversa”, um encontro místico entre Deus e Elias em um lugar separado ou elevado acima da terra.
Vemos este encontro semelhante aos que se deram na vida dos grandes profetas de Israel, seja no monte Sinai (com Moisés, cf. Ex 3; 19; com Elias, cf. II Sm 19),  seja no templo de  Jerusalém (com Isaías, em  Is 6), seja no santuário de  Betel (com Amos, em Am 9,1).
Terminado o êxtase de Elias (que Eliseu, especialmente agraciado por Deus, pode contemplar), aquele profeta teria voltado ao seu estado normal, vindo a morrer pouco depois disso.
TERCEIRO PONTO: A REAÇÃO DE ELISEU.
A morte de Elias parece insinuada, segundo exegetas modernos apontados por D. Estevão, também pelo fato de Eliseu ter rasgado suas vestes e recolhido o manto de Elias, ao verificar o desaparecimento definitivo do mestre (cf. 4 s 2,12s).
A expressão rasgar as vestes é sinal de luto ou tristeza (Gn 37, 29-30.34; Js 7, 6). Era um gesto muito comum nas culturas antigas, quer semíticas, quer greco-latinas. Em Jó, por exemplo, indica o luto pela morte dos filhos e, ao mesmo tempo, a submissão ao destino que se apresenta (Jó 1, 20-21)[5].
QUARTO PONTO: A RESPOSTA DE CRISTO.
Um fato inegável é que era ensinado que Elias havia de voltar antes da vinda do messias. Dentro deste contexto entra o questionamento dos discípulos: “Por que dizem os fariseus e os escribas que primeiro deve voltar Elias?” (Mc 9, 11). É preciso ter conta que os escribas ensinavam isto pois esta foi a conclusão dos profetas vide Mal 3,23s; Eclo 48; I Mac 2, 58.
Nisto a resposta de Jesus é esclarecedora: “Elias deve voltar primeiro e restabelecer tudo em ordem. (...) Mas digo-vos que também Elias já voltou (...)”. Referia-se Jesus a João Batista (Lc 1, 13.17).
É importante ter em conta um fato: no momento da escrita dos Evangelhos os apóstolos e, por conseguinte, a comunidade cristã já tinham consciência que João Batista era o Elias que havia de vir (Mt 11, 14). Mas na época que Jesus caminhou com eles isso era desconhecido, e até estranho. Na cabeça dos três, depois desta visão, o pensamento é claro: se Elias ainda não voltou, logo Jesus não é o Messias esperado. “Já voltou” diz Jesus, e cumpriu sua tarefa de preparar o povo, mas não o reconheceram.
Elias não voltaria por que, de fato, não havia “ido”. Entende-se, não fora arrebatado vivo para junto de Deus.
CONCLUSÃO.
Apesar de o Trecho de II Rs 2 não afirmar a morte de Elias, a construção um tanto misteriosa tornou-se apta a sugerir aos leitores tal conclusão (como, alias, se depreende de passagens bíblicas posteriormente redigidas, como Mal 3,23s; Eclo 48; I Mac 2, 58). Mas os dados apresentados mostram-se favoráveis a conclusão de que Elias teria morrido.
Os profetas não erraram ao dizer que Elias voltaria, apenas não tiveram o entendimento completo da situação. Jesus vem para dar o entendimento da profecia ao afirmar que Elias voltou, afinal João procedia conforme Elias.
Como diz Dom Estevão Bettencourt, o que aconteceu com Elias não se trata de tradição dogmática, mas sim de estudo exegético, a qual não impõe à fé dos cristãos.
Espero ter dado luz, ou uma nova forma de pensar sobre o ocorrido com Elias.
Abraço.


[1] Minha fonte de pesquisa foram os comentários das Bíblias PEREGRINO, JERUSALÉM e escritos de Dom Estêvão Bettencourt;
[2] Henoc;
[3] Nota da Bíblia Peregrino, p. 664;
[4] Spadafora, Pe. Enciclopédia Cattolica. p. 233;
[5] Mazzarolo, Isidoro. Jó, amor e ódio vem do mesmo Deus?. 2ª edição, p. 54;

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